Uma tragédia anunciada
Não é a primeira vez que a United comete gafes corporativas com seus clientes. Em 2008, o músico canadense Dave Carroll, viu sua guitarra ser arremessada para fora do avião e, após a frustração de não ter ressarcimento pelo instrumento quebrado, criou o hit “United Breaks Guitars”, vídeo com mais de 17 milhões de visualizações. Em outro episódio, já em 2017, a United impediu o embarque de duas adolescentes porque usavam leggings. Segundo os funcionários da empresa em Denver, isso era justificativa suficiente para retirá-las do voo por estarem vestidas inadequadamente. O evento da semana passada parece ter sido a gota d’água. Quem viu a horrível cena do Dr. David Dao sendo arrancado da sua poltrona e arrastado com sua face machucada pela truculência, viu o quão absurda foi a forma como a United lidou com o evento de overbooking.
Discurso e prática
No site institucional da United, a empresa afirma que o seu propósito é “conectar pessoas”. A companhia aérea também declara como um dos seus valores a frase “we fly friendly”(“nós voamos amigavelmente”). Discurso fake, dissociado da prática, e inspirador de todo o ódio que assistimos nas redes.
Importância do valor da Marca
A Marca é hoje o principal ativo intangível das empresas, e já é legalmente tratada como tal, podendo, em certos casos, ser ativada e incorporada ao balanço patrimonial na Europa, EUA e mesmo no Brasil (desde 2011).
Estudos com empresas listadas em bolsa de todo o mundo revelam que, em média, 38% do valor de mercado das empresas de aviação comercial devem-se aos ativos intangíveis, em especial a Marca. A United Airlines tem um valor de Marca aproximado de R$ 17,1 bilhões, atrás apenas da American Airlines e da Delta. Esse valor vem do equity criado ao longo de décadas, influenciando positivamente a demanda do consumidor, parceiros, sociedade, canais de vendas e distribuição, lealdade dos colaboradores, condições e termos de fornecimento e interesse dos investidores, transformando a performance do negócio e seu resultado financeiro.
Segundo nossos cálculos e metodologia, 25% do valor da Marca United Airlines deve-se à sua reputação e imagem. Uma quebra de confiança pelas pessoas na Marca representa uma perda de 15% de valor da Marca United em 4 dias. Uma perda considerável.
A questão essencial agora é saber se haverá um efeito dominó, se clientes insatisfeitos ou indignados com este último evento, passarão a trocar a Marca por outras, evitando comprar novas passagens da United, aumentando o churn consideravelmente. Um movimento de boicote à empresa pode gerar uma perda de valor de Marca ainda maior, impactando seriamente seus negócios. Tudo dependeria da capacidade de resposta da alta gestão em conter essa crise estrutural-estratégica, de forma definitiva e sincera.
Não acreditamos que isso vai ocorrer, pois a United não tem uma cultura de Marca e um sistema de gestão adequados para o mundo de hoje, onde o foco deveria ser na criação de valor para o consumidor. Inovar e humanizar a experiência das pessoas, de forma relevante, diferenciada, consistente e proprietária não parece estar nos planos da empresa. É preciso valorizar a relação entre a Marca e as pessoas, adotando uma postura inspiradora.
Para piorar, mesmo tendo uma quantidade de dados enorme acerca de seus consumidores, a United não tem um sistema de analytics correto para transformar dados em ação. A empresa trata da questão como apenas uma crise de imagem, tentando justificar de maneira inócua que fez o que a lei e procedimento padrão determinam. A situação piorou ainda mais sua reputação e imagem.
“Erramos. Nossas mais sinceras desculpas. Vamos fazer de tudo para que isso nunca mais ocorra.”
Quando uma crise ocorre, um fator determinante é a forma como você lida com ela. Primeiramente, aceitando que o erro ocorreu. Em seguida, agindo rápido para corrigir o processo, o procedimento e a cultura. Isso é aproveitar o erro para fazer do limão uma limonada. Ao não assumir o erro, o CEO da United, Oscar Munoz teve que se retratar novamente, sendo obrigado a ter que dar desculpas pelas desculpas dadas anteriormente. Amplificou a crise, aumentou o ódio e transformou o limão em cianureto. O mundo em que vivemos não admite mais o corporate bullshit. Respostas padrão, esquivando-se do erro e das responsabilidades.
Vivemos numa era onde o que você faz conta muito mais do que aquilo que você diz. Se você tem propósito e valores compartilhados de fato, mais do que pendurá-los pelas paredes, você precisa usá-los como direcionadores do seu negócio. O seu propósito e valores devem moldar a sua forma de fazer negócio e o jeito como você constrói a experiência do seu cliente.
Gafes como a da United continuarão acontecendo, pois são inerentes a qualquer grande operação. Mas o público será cada vez menos complacente com posturas como a observada. Errou? Assuma o erro! Peça desculpas de forma verdadeira e crível. E busque transformar a sua organização através dos aprendizados, para que ele nunca mais aconteça. Esse é o único caminho para o perdão coletivo, estancando em definitivo o derretimento da Marca.
Publicado originalmente na Proxxima | Meio & Mensagem